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  • Qual o futuro do Teatro Musical pós pandemia?

    Por Dan Elias
     
    Todo artista sabe, e sentiu na pele, que a classe artística foi a primeira a sentir os danos e os impedimentos que a pandemia do novo coronavírus impôs, principalmente porque impediu que a grande maioria dos trabalhos artísticos pudesse ser executada, uma vez que eles exigem presença, contato com outros artistas e deslocamentos que colaborariam com aumentos ainda maiores da transmissão da doença. Uma vez que toda a classe foi impactada e paralisada e que começa a haver uma diminuição nos casos da doença e, logo, uma retomada das atividades da sociedade, vão surgindo ideias e teorias sobre como será a retomada das produções de Teatro Musical, uma vez que elas envolvem uma maior concentração de pessoas, que vão de artistas, técnicos, colaboradores e também do próprio público, temente por sua saúde e segurança. 
     
    Confira, a seguir, alguns tópicos que foram abordados recentemente em uma live especial da SBTM, Sociedade Brasileira de Teatro Musical, e que nos ajudam a entender ou, pelo menos, projetar um futuro de apresentações presenciais seguras para a equipe e, também, para o público. 
     
    O impacto da pandemia no setor do entretenimento e da economia criativa
    Apesar de não ser uma notícia boa, é uma notícia que já está sendo sentida e vivida: o setor cultural foi o primeiro impactado pela crise do coronavírus e, possivelmente, será o último setor a se reerguer, devido ao fato da presença física ser um fator importante para a realização da maioria das atividades. 
     
    Segundo Luiz Gustavo Barbosa, coordenador de projetos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o setor cultural não foi atendido pelas medidas genéricas adotadas pelo Governo para contornar a crise. “O setor de entretenimento e o setor de cultura precisam de medidas específicas, mais alongadas que outras medidas de outros setores da economia”, afirmou Luiz, “O setor está trabalhando com 40% da produção e, dentro da área, tem setores que tão crescendo, por exemplo: game e tecnologia. Essa velocidade de crescimento ainda está aumentando. Mas a produção, que seria o mais perto do faturamento está em 40%”, acrescenta. 
     
    Apesar do número baixo de produções não presenciais que se mantém na ativa, os artistas, que fazem renda por trabalho realizado, estão impedidos de trabalhar. Mas Luiz considera um ponto positivo para a retomada de atividades: “Talvez seja o setor cultural é o que está mais pronto para retomar. À medida que a vacina chegar e que as pessoas tiverem a segurança de retomar, ele vai voltar muito rápido e essa empregabilidade, essa economia setorial, ela vai voltar a ser pungente”, avalia o coordenador de projetos.
     
    A retomada
    Quando se fala sobre a retomada as atividades do Teatro Musical, o que se observa é que a retomada no mundo inteiro está sendo lenta e gradual, pois ela envolve muitos cuidados, seja pela saúde dos artistas, da equipe e do público, como também por sua viabilidade financeira depois do impacto da interrupção imposta pelo coronavírus. Segundo a presidente da SBTM, Sociedade Brasileira de Teatro Musical, Stephanie Mayorkis, a retomada faseada das atividades, como a proposta do Governo do Estado de São Paulo, é a melhor solução neste momento. 
     
    “Acho importante ter uma sinalização da retomada em fases para que a gente possa se programar, se planejar, ter um horizonte”, afirma Stephanie. “Como na cultura a gente fala de escalas de produção de níveis, tamanhos e propósitos muito diferentes, pode ser que a retomada vá possibilitar que várias coisas voltem num primeiro momento. Por exemplo, os equipamentos públicos, as produções que são mantidas eventualmente pelo Estado, pelo poder público, acho que essas vão ter condições de voltar mais rapidamente”, considera. 
     
    Enquanto produções de baixo custo e complexidade ou que envolvem uma concentração menor de pessoas possam ser retomadas mais brevemente, as grandes produções de Teatro Musical ainda pedem um olhar mais cauteloso. “Vai ser mais difícil para produções maiores, da iniciativa privada, onde a conta não fecha com 40% de capacidade. Realmente, nas produções grandes de teatro musical, a maioria delas precisa que a gente entre na fase azul, com 100%, para que a gente possa voltar a operar”, afirma a presidente da SBTM.
     
    “A gente não vê nenhum país retomando os teatros, os festivais, os grandes eventos, sem faseamento, sem redução de capacidade. É muito importante ter uma retomada consciente para que a gente possa seguir adiante. O caminho é demorado, realmente, mas acho que a gente vai chegar lá”, Stephanie.
     
    Julio Cesar Figueiredo Junior, diretor da Atual Produções, ressalta também alguns dados importantes para se considerar na retomada: “Hoje, com 40%, mesmo você faseando, medindo a temperatura dos envolvidos, distribuindo máscaras, o público ainda está mais protegido do que quem está em cena. Mesmo que você pense em tirar beijos ou aproximações muito mais próximas, você tem um problema enorme das pessoas dançando em coletividade, muito próximas. Se você tiver uma pessoa infectada ali, é muito difícil que essa pessoa não passe para as outras pessoas também. Por isso é fundamental testar, o que também tem um custo muito caro. É um desafio enorme voltar nesse momento com um teatro grande. O teatro tem que ser um lugar seguro para o público”. 
     
    Mauro Sousa, diretor da área de Live Experience, da Maurício de Souza Produções, acredita que o momento é de criatividade, adaptação, observação e esperança. “Precisamos observar qual será o movimento do público, se, de fato, as pessoas irão ao teatro. Há um conservadorismo nesse início que faz a gente pensar se os teatros estarão aptos para receber o público e receber minha equipe. Se existe a possibilidade de uma nova onda de pandemia que poderia interromper meus projetos”, afirma.
     
    Plateia reduzida e fechamento de conta 
    Mesmo que respeite a redução da capacidade do público em um possível retorno, o Teatro Musical também enfrenta o desafio de fechar a conta com a baixa bilheteria. “Você pode abrir mão da sua receita ou fazer uma receita bem menor, ou é impossível você conseguir pagar essa conta”, diz Julio Cesar Figueiredo Junior. 
     
    “No caso de Donna Summer, a gente conseguiu levantar cerca de 45% da Lei Rouanet. Esse recurso nos permitiu levantar o show, produzir o espetáculo e fazer parte do primeiro mês do espetáculo”, conta. “É um espetáculo de custo muito elevado. 70 artistas, mais os técnicos do teatro. Com 40% é inviável”, explica.
     
    Confiança do público
    O cenário de pandemia pode ter alterado por um longo tempo os comportamentos e hábitos das pessoas, de forma que pode ser que o público não se sinta à vontade para voltar a frequentar o teatro tão cedo. Segundo uma pesquisa norte-americana da Axios, 26% do público adulto estadunidense só se vê encorajado a volta a assistir espetáculos nos próximos seis meses, enquanto 47% não conseguiria nem precisar um prazo. Números não muito diferentes são encontrados entre a população mais jovem, mesmo que mais longe do grupo de risco.
     
    Fabio Cesnik, sócio de um dos maiores escritórios de advocacia do Brasil, o CQS, sabe que a decisão de sair ou não de casa é pessoal, mas não acredita que a retomada abrupta deva ser encorajada. “Não importa que o governo libere a gente a voltar, se houver a possibilidade de fazer o que puder de casa, vamos fazer de casa”, opina.
     
    “Tenho a impressão que o setor de entretenimento, diante dessa pandemia, diante de potenciais cenários pandêmicos, pensará, em alguma maneira de venda online ou venda de acesso virtual de espetáculos, porque, pelos protocolos, não demora muito pra gente poder voltar a colocar um espetáculo no palco, e que as pessoas possam assistir aquele espetáculo de qualquer lugar do mundo, e que, pra frente, isso possa continuar sendo uma nova fonte de receita”, analisa Fabio. “Talvez essa seja uma alternativa. Se você quiser assistir da sua casa, eu crio um preço diferente, mas permito o acesso. Pode ser que a população esteja ávida e todo mundo queira ir. Eu estou receoso, penso em não ir antes da vacina. É a decisão de cada um”, acrescenta.
     
    Stephanie Mayorkis acredita que, diferente de um restaurante onde é necessário retirar a máscara para comer, por exemplo, o teatro é um ambiente mais controlado e seguro. “No teatro vai ter álcool gel, vai ter testagem, vai ter os filtros de ar condicionado atendendo as novas medidas de saúde etc. Você se senta, fica com máscara, não fica batendo papo, assiste ao espetáculo e vai embora. Hoje a gente não tem previsão de volta, porque dependemos da evolução da doença”, afirma. 
     
    Inspiração dentro do próprio setor 
    Embora o Teatro Musical como se conhecia não possa voltar a acontecer tão cedo, vale a pena observar os movimentos de outros segmentos do setor cultural para se inspirar. Lives, experiências de realidade virtual, streamings, cinemas e shows no formato drive-in tem apresentado soluções criativas para consumo artístico durante o período de quarentena e pode ser que esse formato não só se mantenha nos próximos meses como também passe a fazer parte dos hábitos de consumo do público. 
     
    Mauro Sousa afirma que a reabertura de parques de diversões, por exemplo, depende não só dos cuidados necessários com a saúde da equipe e dos visitantes, mas também dos decretos de cada município. “Há várias estratégias que estão sendo feitas para diminuir o impacto no setor de parques. Essa mecânica de associações funciona. Ela nos fortalece como setor, traz uma unidade das vontades do setor, ajuda no nosso alinhamento com poderes públicos”, afirma Mauro.
     
    O Teatro Musical, até recentemente, ainda não tinha uma associação unida que reivindicasse por seus direitos, quadro agora revertido pela SBTM, o que, possivelmente, o deixou para trás na lista de prioridade do setor de economia criativa. “Gostando ou não, a gente ainda depende muito dos poderes públicos. O setor de entretenimento, apesar de tudo, está em movimento, não estamos parados. Estamos fazendo o que é possível nesse momento: o planejamento”, conclui Sousa.
     
    Quando o assunto é o consumo de arte em casa, que foi radicalmente ampliado durante o período de quarentena, com o público assinando mais streamings, assistindo mais lives e comprando mais cursos online, o desafio é encontrar um meio de transportar o espetáculo musical para o formato digital e questionar até que ponto essa escolha é interessante. Vale ainda ressaltar que a maioria dos espetáculos musicais produzidos no Brasil são produtos internacionais licenciados, ou seja, dependem de negociação para liberação dos direitos autorais. 
     
    Julio Cesar Figueiredo Junior, diretor da Atual Produções, diz que recebeu muitos pedidos para transportar o espetáculo Donna Summer para o formato online, porém, o que acontece neste e na maioria dos casos, é as produtoras não tem permissão de executar nem uma música sequer no formato online, pois isso burlaria as condições contratuais previamente assinadas. “Só temos direitos de fazer a apresentação ao vivo. E mesmo com produtos brasileiros, há os desafios de proteger as pessoas que estão por trás, proteger o público”, explica Julio. 
     
    Mesmo que as apresentações em drive-in sejam uma possibilidade para shows e concertos, o Teatro Musical, que exige transporte de cenários complexos e também o alto custo do fechamento de um estádio, se vê mais uma vez em um grande impasse. Além disso, a luta para transpor espetáculos originalmente da Broadway para outros formatos privilegia bem mais o território norte-americano quando o assunto é a liberação dos direitos autorais para a adaptação desses novos tipos de apresentação.
     
    Em contrapartida, Fabio Cesnik ressalta que a Secretaria de Cultura divulgou a IN5 que possibilita aos produtores de projetos menores já aprovados o ajuste para o formato online. “A gente tem orientado as pessoas a solicitarem essa alteração, para dar mais segurança na prestação de contas, e todas as solicitações que tem pedido para substituir do presencial para o online são acatadas e bem rápido”, afirma.
     
    Os projetos novos que prevêem a entreia do online estão sendo bem recebidos. “A grande dificuldade é que as empresas não estão patrocinando porque o lucro caiu abissalmente”, acrescenta Fabio. 
    Mesmo com essa grande dificuldade, Stephanie Mayorkis ressalta que os patrocinadores que já estavam apoiando projetos tem se mantido parceiros e compreensivos. “Todo mundo entendeu que não paramos porque queremos, que é uma situação de força maior e não conseguimos fazer estreias ou reestreias”, afirma.
     
    “Eu já fui bem mais esperançosa em relação a verbas de marketing para patrocínios de musicais ou de segmentos da cultura que o mercado está habituado a apoiar com lei de incentivo. Teve, no ano passado, toda aquela luta para conseguir alterar algumas das mudanças da nova instrução normativa da lei. O que a gente viu foram pouquíssimas empresas dispostas a investirem com verbas de marketing”, diz Stephanie. “Essa é a nossa realidade, da América do Sul, como um todo: a gente precisa de patrocínio, a gente não vive sem patrocínio, e hoje no Brasil a gente é muito dependente realmente das leis de incentivo. A gente não tem uma classe média robusta o suficiente para aguentar o preço médio de um musical grande”, acrescenta. 
     
    “Então acredito que as empresas se fortalecendo também, conforme a economia for voltando, e os patrocinadores tiverem certeza de que as produções vão acontecer, eu acho que o patrocínio vai voltar. Todo mundo viu o quanto a cultura é importante, o quanto ela tem alimentado as pessoas nesse período de quarentena”, pontua a diretora da Sociedade Brasileira de Teatro Musical.
     
    Embora sejam muitos os desafios, tudo indica que é chegado o momento da indústria criativa fazer jus ao nome e encontrar soluções que se adaptem à nova realidade. Seja com produções menores, com novos formatos ou com enfoque em conteúdo original brasileiro, as produções de Teatro Musical só continuarão com desapego e trabalho contínuo.
     


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