Denise Fraga fala de X para entender Y.
E falou muito bem.
Na última quinta-feira (26/05), a atriz Denise Fraga, considerada melhor atriz
de drama e comédia e que está em cartaz com a peça 'Sem Pensar' no teatro TUCA, em São Paulo, esteve na rádio Jovem Pan, em entrevista ao Programa Pânico.
Eu acho o jeito de 'fazer rádio' sensacional para quem quer dar opiniões e sem cortes. E há quem diga que em um programa ao vivo isso também possa acontecer, mas eu realmente discordo. Na rádio (assim como na web), a linguagem é mais solta, e vem de uma forma mais clara. Já na televisão rola aquela censura que ninguém sabe até onde vai, mas tem aquele receio de se falar.
Emílio Surita, que comanda o programa diário na rádio (e semanal na tv - aos
domingos) começou o papo já falando de humor, que ali, todos sabem bem do que se trata ao pé da letra. Denise, então... nem se fala! 'O legal do humor é o cara saber identificar a tragédia e poder rir', define Emílio. Denise além de concordar, define que não há nada que seja impossível dizer sem humor, tratando-o como um veículo de comunicação poderosíssimo e um meio que você pode falar de tudo. Em um espetáculo, o humor ainda pode ser tratado como uma conversa. A plateia se identifica com aquilo que o ator fala, e a risada é a resposta do público.
O papo ainda rende um tempo para falar de relacionamentos. E não só
relacionamentos entre casais, mas em relação ao trabalho. Quando Emílio comenta sobre uma pesquisa que viu, onde diz que a paixão dura apenas 30 meses, e que depois desse tempo vira relacionamento, Denise lembra que atuou na peça 'Trair e Coça, É Só Começar' por 6 anos, e que encenou a mesma personagem por mais de 1600 vezes. Tudo bem que Emilio Surita estava se referindo a paixão de casais, mas papo vai, papo vem, isso
poderia até ter uma relação com o trabalho, porque quando as pessoas fazem o que gostam de verdade, não enjoam. A paixão continua, o 'relacionamento' com aquilo só amadurece e você só fica mais experiente. Você acostuma com aquela situação, mas vive gostando.
O papo teve um ar maior de seriedade quando Denise entrou na questão da
educação do país. Brincadeiras a parte, que bons comediantes adoram fazer para cutucar os políticos brasileiros, a educação é mesmo uma palhaçada. Ano passado, um pouco antes das eleições, em uma coletiva de imprensa com o candidado José Serra, fiquei indignada ao ouvi-lo dizer que 'cultura não traz voto'. E qual é a base da educação? A cultura. E qual é a base da cultura? A educação. E o que se faz para a melhoria desses quesitos no Brasil? ... cri cri cri!
Denise deixa claro seu posicionamento: 'Entra governo e sai governo, e a
educação fica em segundo plano. Apesar de você ter várias coisas que melhore, eu acho que tinha que ser uma medida tão radical pra gente melhorar a educação, pra você ter o consumidor de arte. A diferença de uma pessoa que consome arte para uma pessoa que não consome arte, uma pessoa que lê e uma pessoa que não é, é enorme. Qual a chave da porta pra uma pessoa consumir cultura, literatura? É a educação! É entender o tratamento poético e entender como a arte faz você compreender sua própria vida'. Além disso, Denise afirma que a televisão ainda produz coisas boas e de qualidade, dando o exemplo da novela global que está no ar, 'Cordel Encantado'. 'Você acha que para uma televisão ser popular, precisa descer o nível? Precisa Facilitar? O Chaplin é universal até hoje! Põe um cara que não tem estudo nenhum para ver o Chaplin. Ele se diverte com aquilo. Mas é preciso dar isso para o cara, precisa colocar isso na frente dele. A Tv não precisa descer o nível para capturar os telespectadores', afirma a atriz.
Emílio acha que a partir daí o consumidor vai chegar ao ponto de falar 'eu vou
assistir a uma peça de teatro, eu vou ao cinema', com direito de escolher bons filmes e bons espetáculos em cartaz ou a televisão.
É realmente difícil ver pessoas da faixa etária entre 12 e 18 anos se
interessarem a ir ao teatro (por livre e espontânea vontade), mas é também porque falta escolha. Há peças infantis, peças adultas. E para essa fase que fica no intermediário? O cara acha chato, careta e prefere ficar em casa jogando video-game.
Denise contou que um menino que tinha entre essa idade foi assisti-la e disse
'que legal! eu não imaginava que teatro era legal, eu achei que teatro era chato'. Imagino a indignação de Denise ao ouvir isso! Mas isso acontece porque tem essa confusão ao se imaginar um teatro. Teatro é tudo ao vivo, e nenhum dia é igual ao outro. Tá aí a grande magia do espetáculo. 'Quem vai ao teatro participa de um ritual, de uma missa. Essa sensação fisgou o menino', segundo Fraga.
Emílio diz uma coisa certa como gancho a essa história: 'Muita gente fala que
teatro é chato porque nunca foi'. E abre portas para Denise falar sobre o stand-up: 'Aí tem gente que fala: 'Eu fui ao teatro, eu fui ver o stand-up tal'. E eu falo: 'Desculpe, você não foi ao teatro, você foi ver o stand-up''. Ela diz que adora stand-up e elogia bastante os humoristas que fazem esses shows por aí, mas ainda assim não o compara com o teatro. Stand-up, para ela, não tem o 'tratamento poético' que o teatro tem. Já para Emílio, é uma forma de popularizar o teatro. Denise já define como um cara que faz piadas incríveis em um microfone sobre coisas do cotidiano e numa rapidez. 'O teatro te mostra X para te fazer entender Y. E essa ponte do X ao Y é decodificador poético. Por que você lê uma coisa e te faz chorar? Aquilo te bate em algum lugar', a atriz fala com belas palavras sua opinião e tentando definir o que o teatro representa em sua vida, e na de outras pessoas, também!
Resolvi escrever sobre essa entrevista por vários motivos, que vai desde achar a Denise Fraga uma excelente atriz, até ter adorado a maneira de como ela defendeu a sua carreira e a de tantos outros que lutam para estar no palco e sorrir de ver a plateia aplaudir de pé mais um trabalho seu. Acho demais o modo de como o programa Pânico na rádio Jovem Pan dá esse espaço para seus entrevistados e seus ouvintes, que enviam suas perguntas via twitter e algumas são feitas no decorrer das duas horas de duração.
Para quem se interessou pela entrevista e quer ouvi-la por completo, clique
aqui.
'A vida de perto é uma tragédia, de longe é uma comédia' (C. Chaplin)
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