Atores por trás das vozes
Profissionais da dublagem desmistificam a profissão para os atores e atrizes interessados em mais uma área de atuação.
Um campo de trabalho bacana para atores e atrizes é o da dublagem. É uma ótima alternativa para se especializar, já que o Brasil é considerado um dos grandes polos na área. Mas como exatamente é que se torna um dublador? Qual é a sua rotina? Qual é a forma que trabalha? Foi pensando nisso que o Guia do Ator foi conversar com os profissionais de dublagem, para entender melhor sobre mais essa alternativa artística.
Para os que pensam que para entrar nesta área deve-se impreterivelmente começar cedo, Marilú Lima mostra o contrário. “Desde criança quis fazer dublagem, até fiz teatro na adolescência, mas a vida acabou me levando para outro caminho. Trabalho com desenvolvimento de sistemas. Mas aos 25 anos, quando terminei a faculdade, resolvi correr atrás”, relembrou. Ela contou que uma boa dica para os que têm vontade de dublar ou mesmo os profissionais da área é ter como hábito a leitura. “Ler faz com que nossa imaginação funcione melhor. Com a imaginação funcionando, interpretamos melhor”, elucidou. E completou “procure ler em voz alta, de maneira que quem está te ouvindo consiga entender e imaginar também. Isso faz uma grande diferença na hora em que você vai para o microfone”.
Outro exemplo é Rafael Dias Gomes, que entrou para a carreira de dublador no início de 2012. “Em meados de fevereiro, a SP Escola de Teatro inaugurou um curso de extensão cultural focado nesta área que foi intitulado de Dublagem: Conteúdo e Estratégias e ministrado por Herbert Richers Jr.”, contou. No curso, foi simulada diversas vezes a rotina do profissional de dublagem, para que os alunos estivessem preparados para o que os esperaria. “Há essencialmente dois fatores recorrentes: o desconhecimento do texto a ser dublado e o formato no qual a dublagem é feita. Com raras exceções o dublador irá conhecer com antecedência o texto que vai dublar e, na maioria das vezes, estará sujeito à tradução e à direção do roteiro. O segundo fator refere-se ao formato em anéis (ou loops) que determina o tempo e como será feita a gravação”, explicou. E completou “geralmente, o dublador assiste uma vez ao fragmento de cena (20 segundos), posteriormente ensaia uma ou duas vezes e em seguida já deve gravar”.
Mariângela Cantú já dublou diversos papéis, tanto em desenhos, quanto em seriados e novelas. Já emprestou sua voz para Carmen Sandiego, no desenho homônimo dos anos 1990, a professora Márcia em Princesas do Mar, Dra. Grace em Avatar, Miranda em Sex and the City, Sue em Glee, Ann Ewing em Dallas, Adelina na novela Usurpadora, entre muitas outras personagens. Ela contou que começou no ano de 1993, no estúdio Hebert Richers. “O SBT queria vozes novas e abriram para testes. Fiz a audição, esperando pegar apenas uma pontinha na novela Marielena e qual não foi minha surpresa quando soube que peguei a protagonista”, relembrou. E acrescentou “apanhei muito e aprendi muito também. Uma coisa é passar no teste; outra é o dia-a-dia”.
Para se tornar um dublador, é necessário, antes de mais nada, que se seja ator profissional com DRT e fazer um curso especializado em dublagem. Todos os entrevistados tiveram este mesmo discurso. Dias Gomes ainda ilustrou que essa formação é necessária “para que o futuro profissional tenha consciência tanto do que é interpretação, quanto a utilização de técnicas vocais e respiração como ferramentas que darão suporte para o seu trabalho como dublador”. Cantú levantou outro ponto sobre os cursos nessa área: atenção aos picaretas. “Cuidado! Pesquise antes o professor para ver se ele é qualificado para dar aula. Tem gente que diz que é dublador e não é”, alertou.
Dilma Machado entrou para esta área após dois cursos de dublagem; um com Alexandre Lippiani e outro com Newton DaMatta, ambos já falecidos. Desde então, fez diversos trabalhos na área. Dentre os mais famosos estão o hamster Hamtaro do anime homônimo, a Senhorita Belo, secretária do prefeito no desenho As Meninas Super Poderosas, Saranóia em Yin Yang Yo e a princesa Sophie na 4ª temporada do seriado Gossip Girl. Segundo ela, a forma mais comum de trabalho de um dublador é o sistema popularmente conhecido como freelancer. “O dublador não trabalha somente para uma empresa. De acordo com seus horários, ele vai a diferentes empresas quando é escalado pelo diretor de dublagem”, contou.
Flávio Costa é ator de teatro, mas já trabalhou com dublagem. Começou no ramo em 2005, por indicação. “O roteiro é pego na hora e, utilizando técnicas, o dublador sincroniza sua voz fala por fala com o movimento do ‘boneco’, a personagem que está sendo dublada”, explicou sobre a rotina. Ele comentou também que o cachê da dublagem é estabelecido por hora e não por trabalho, como muitos pensam. “Os dubladores mais experientes fazem trechos maiores, o que acaba sendo mais lucrativo para todos, porque ele termina o roteiro mais rápido”, disse.
Sobre o processo em si da dublagem, Dias Gomes explicou que as personagens não servem apenas para sinkar as movimentações dos lábios com as falas. Segundo o ator, eles são “um referencial para toda a criação da dublagem. Como por exemplo, ao observar na personagem o seu tipo físico, os seus trejeitos, o modo como reage etc.”. Acrescentou também que “na dublagem a cena já está pronta. Portanto, este é um referencial extremamente condicionante, mas não limitador, da criação interpretativa do ator-dublador”.
Quanto aos cuidados que o ator deve ter com a voz para ser um dublador, Vladimir Carvalho dá a receita: “evitar falar muito antes das dublagens e bebidas muito quentes, pois prejudicam as cordas vocais. E, durante o processo, beber muito líquido, preferencialmente água”. Carvalho é dublador, mas tem maior experiência em localização de games, como Dead Island e Max Payne 3, outro campo para atores que desejam ser voice actors. É importante ressaltar que localização é uma área diferente da dublagem, bem como a voz original. Apesar de se usar a voz, as criações são feitas de forma diferenciada e o pagamento é outro também.
Para os atores que se interessaram em tornarem-se dubladores, os profissionais deixam diversas dicas. Costa comentou que “quem quer ser dublador deve procurar estar disponível para as escalas, sacar se gosta do trabalho que é muito técnico”. Lima incentivou as pessoas a correrem atrás dessa carreira, mas mantendo o foco na realidade. “Nunca é tarde, porém não vá pensando que é o ‘Fantástico Mundo de Bob’, porque não é fácil entrar nesse meio”, ilustrou de forma divertida. Explicou seu ponto de vista, acrescentando que “existem muitas pessoas no mercado, e cabe a você fazer a diferença. Nesse meio, faça as coisas conforme as leis e regras da dublagem, é importante conhecê-las e segui-las”. Carvalho concorda com Lima, quanto a este diferencial. Segundo ele, a fórmula é “estudar sempre e estar sempre antenado com o mercado, exigente e voraz, e buscar aperfeiçoar-se cada vez mais, pesquisando sobre cursos complementares. E, acima de tudo, amar o que estiver fazendo”. Dias Gomes acredita que esta é uma carreira muito promissora. “O mercado está saturado das mesmas vozes e com uma demanda que cresce exponencialmente a cada dia. Por isso, esse mercado se depara cada vez mais com a urgência de novas vozes, o que evidencia que há espaço para todos”, expôs. Machado aconselha a, “após fazer o curso de dublagem, visite as empresas/casas de dublagem e peça permissão para acompanhar um trabalho de gravação. Esta é uma forma de não ser esquecido”. Por fim, Cantú conclui: “por mais difícil que pareça, não desista do seu sonho!”.
Por Jessica Orsini (em reportagem especial para o Guia do Ator)
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